A observação do céu foi e é muito importante na construção do conhecimento humano, não só na área da própria Astronomia, mas também no nosso modo de viver. Na antiguidade, os povos usavam as estrelas e as constelações para construir calendários, permitindo a eles saber a melhor época para plantio, enquanto durante a época das grandes navegações eram o principal meio de localização. A observação do céu também evolui com o tempo. Ela mudou de patamar quando, em 1609, Galileu Galilei reinventou o uso do telescópio ao fazer suas próprias lentes e apontá-las para onde nenhum outro havia feito — para o céu noturno. Isto permitiu a Galileu descobrir fenômenos antes impossíveis de observar a olho nu como as manchas solares, o relevo da Lua, as maiores luas de Júpiter, as grandes concentrações de estrelas da Via Láctea, entre diversos outros. A partir desse ponto, o ser humano iniciou uma nova era da observação astronômica, na qual o telescópio é o seu principal instrumento.
Junto com a grande evolução tecnológica, os telescópios, com o passar dos anos, ficaram cada vez mais potentes e, em 1964, o astrônomo Lyman Spitzer escreveu um artigo apontando e promovendo as vantagens de se ter um telescópio no espaço, em relação aos telescópios terrestres. Inclusive, o telescópio espacial Spitzer, lançado em 2003 pela NASA, foi nomeado em sua homenagem. O mundo passava pela Guerra Fria na época em que a ideia de lançar um telescópio ao espaço foi concebida. Essa ideia acabou sofrendo atrasos na sua concepção, porém a corrida espacial desempenhou o papel de continuar os esforços.
Após muitas adversidades e muitos atrasos em seu lançamento, que foi adiado diversas vezes, em abril de 1990 o Telescópio Espacial Hubble, um grande telescópio para luz ultravioleta, visível e infravermelho próximo, foi lançado pela NASA. Hubble apresentou uma aberração esférica no espelho principal que parecia comprometer todas as potencialidades do telescópio, a qual, porém, foi corrigida numa missão para a reparação do equipamento, em 1993. Hubble recebeu esse nome em homenagem a Edwin Powell Hubble, que revolucionou a Astronomia ao identificar que a velocidade de afastamento das galáxias é proporcional à sua distância[1].
O Hubble, que até hoje continua a nos agraciar com imagens ricas em informação e beleza, foi e é de suma importância para Astronomia e permitiu aos astrônomos resolverem os mistérios sobre o espaço, e também levantou novas incógnitas sobre o mesmo, fomentando o estudo de novas teorias. O Hubble também desempenhou um papel importante na popularização da ciência com suas fotos de alta definição do espaço, como a Hubble Ultra Deep Field, onde ele captura a imagem do céu profundo com a presença de milhares de galáxias.
James Webb
Apesar da importância do Hubble, ele possui certas limitações e, com os grandes avanços tecnológicos, criou-se a necessidade da construção de um novo telescópio espacial e, para suprir essa necessidade, foi desenvolvido, em uma parceria internacional entre a NASA, ESA e CSA, o Telescópio Espacial James Webb (JWST).
Webb é um projeto de 25 anos, renomeado, em 2002, em honra a um antigo administrador da NASA, James Edwin Webb, que liderou o programa Apollo, além de outras importantes missões espaciais. Ele é 100 vezes mais sensível que o Hubble, seu antecessor, e consegue detectar luz infravermelha gerada por galáxias quando elas foram formadas, há 13,5 bilhões de anos. Ele irá explorar questões fundamentais da Astronomia, como o universo em seus primeiros momentos, a formação das primeiras estrelas, galáxias e buracos negros.

O James Webb foi lançado no dia 25 de Dezembro de 2021 no foguete Ariane 5 e seguiu em sua viagem espacial, partindo da Guiana Francesa, com ponto de chegada localizado a 1,5 milhões de km da Terra, conhecido como segundo ponto de Lagrange (L2). Os pontos de Lagrange são posições no espaço onde a atração gravitacional do Sol e da Terra é equilibrada por forças orbitais, fornecendo localizações estáveis para as espaçonaves. L2 segue a Terra em torno do Sol e Webb seguirá uma chamada ‘órbita de halo’ em torno de L2, enquanto L2 orbita o Sol. A própria Terra está a cerca de 150 milhões de km do sol[2].

A missão primária do Webb será a de examinar a radiação infravermelha resultante da grande expansão e realizar observações sobre os primórdios do Universo. Ele irá nos permitir determinar como as nuvens de poeira e gás se colapsam em estrelas ou tornam-se planetas gigantes gasosos ou anãs marrons, objetos astronômicos que são mais massivos do que um planeta mas menos massivo do que uma estrela. A sua excelente sensibilidade permitirá aos astrônomos investigar diretamente os primeiros estágios do nascimento das estrelas, conhecidos como “núcleos protoestelares”, e as explosões de supernovas, um dos eventos mais energéticos conhecidos do Universo[3], que são mortes explosivas de estrelas massivas. Os dados colhidos pelo Webb irão nos permitir entender melhor como e onde as estrelas se formam e morrem e como suas as mortes afetam o espaço à sua volta.
Observar no espectro infravermelho é a razão que permitirá ao telescópio realizar estas tarefas, devido ao redshift, o desvio cosmológico para o vermelho, e também devido ao poder de penetração que essa radiação possui em atravessar nuvens de poeira cósmica e galáxias. Outras faixas maiores de frequência tendem a sofrer mais interferência dessas partículas de poeira, pois pequenas partículas no caminho da radiação podem contribuir para a má formação de imagens. No infravermelho, é possível a observação de objetos mais obscuros e frios[3].
Até o momento já foram investidos o equivalente a 9,7 bilhões de dólares. O projeto foi mais longo do que o esperado por conta da tecnologia e do processo de fabricação adotado. Boa parte das peças teve que ser desenvolvida do zero especificamente para o JWST. Isso se aplica, por exemplo, aos sensores de infravermelho, os mais poderosos do mundo, e aos motores elétricos precisos o suficiente para ajustar os espelhos em uma fração de 1/10000 do diâmetro de um fio de cabelo a uma temperatura aproximada de -220ºC[4]. Além disso, o próprio processo de fabricação de cada componente, em cada etapa, foi muito complexo. Somente para se construir os espelhos, foram inúmeras etapas, passando por vários estados nos EUA.
O James Webb permitirá à humanidade dar mais um passo para descobrir nossas origens, como tudo se formou e o que mais nos espera daqui para a frente. Questões que eram deixadas apenas para as teorias e imaginação poderão ser melhor compreendidas. Nas palavras do vídeo de divulgação do telescópio veiculado pela ESA,
“Webb irá olhar diretamente para as nossas origens cósmicas… para revelar coisas que nenhum telescópio viu antes”[2].
Referências
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Telescópio_espacial_Hubble
[2] Vídeo disponível em: Science with Webb: seeing farther / ESA
[3] J. G. Coelho, “O Telescópio Espacial James Webb – uma nova era na Astronomia”, Cad. Astro., vol. 3, nº 2, p. 112–121, ago. 2022.
[4] https://science.nasa.gov/mission/webb/webbs-mirrors/